ARROZ TRANSGÊNICO – Entenda o que está em jogo   Dentro de poucos dias o Brasil pode se tornar a cobaia do mundo, ao permitir o plantio e o 
consumo de arroz transgênico não aprovado em nenhum país.
   O pedido da empresa alemã Bayer está praticamente pronto para ser votado pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio. Tratase do  Arroz Liberty Link LL 62, resistente ao herbicida glufosinato de amônio (processo 01200.003386/200379). Neste caso, até os produtores e a Embrapa Arroz e Feijão estão contra. Parece que só a CTNBio está do lado da Bayer. 
Como vai se posicionar o governo LULA? Arroz com herbicida – riscos para a saúde   A   modificação   genética   torna   o   arroz   resistente   ao   herbicida   de   princípio   ativo   glufosinato   de amônio e nome comercial Basta ou Finale (ambos da Bayer). Ou seja, não há nenhum benefício para o consumidor. Pelo contrário. Com a resistência ao agrotóxico, a pulverização se dará sobre toda a lavoura, inclusive sobre o próprio arroz, que não morrerá mas absorverá o veneno, que irá também para os grãos.
   O   glufosinto   é   considerado   tóxico   para   mamíferos   e   por   este   motivo   será   proibido   na   União Europeia a partir de 2017 por determinação do Parlamento Europeu [1]. Pesquisadores japoneses mostraram que a substância pode dificultar o desenvolvimento e a atividade do cérebro humano, provocando convulsões em roedores e humanos [2].
   A Bayer é a empresa que mais vende agrotóxicos no Brasil e sua aposta no arroz transgênico visa ampliar ainda mais esse mercado. A venda casada com o glufosinato reforça a posição do Brasil como principal destino de produtos tóxicos não mais aceitos em outros países [3].
Problemas agronômicos – a posição da Embrapa   Em audiência pública, o pesquisador Flávio Breseghello, da Embrapa Arroz e Feijão, apresentou a posição oficial “autorizada pela presidência”, frisando que a empresa não é contra os trangênico e nem contra a modificação genética do arroz, mas que neste caso o produto da Bayer “agravará os problemas já existentes”. “Não devemos usar tecnologias que terão validade de poucas safras”, disse Breseghello.
   O principal entrave técnico enfrentado pelos produtores de arroz é o controle do arroz vermelho, espécie ancestral do arroz comercial, que compete com a cultura. A preocupação é a constatação de que a planta transgênica inevitavelmente cruzará com sua parente vermelha, dando origem a arroz vermelho transgênico resistente a herbicida. O arroz vermelho pode germinar após mais de anos de dormência no solo. Segundo Breseguello, “a contaminação é irreversível” [4].
Problemas econômicos – a posição dos produtores   Na mesma audiência pública, os representantes dos produtores de arroz também manifestaram sua  preocupação.   Receiam   perder   mercado   interno   e   externo   caso   a   variedade   seja   liberada. 
   “Considerando que não existe consumo corrente nem mercado global para o arroz transgênico,  concluímos   que   a   entidade   não   é   favorável   nesse   momento   à   liberação”, disse   Renato   Caiaffo Rocha, em nome dos produtores reunidos na Farsul e na Federarroz e do Instituto Rio Grandense do Arroz – IRGA.
Contaminação inevitável   Mais de  7 mil produtores de arroz processam a Bayer nos Estados Unidos por prejuízos sofridos pela contaminação de suas colheitas pelo arroz Liberty Link. A Justiça estadunidense já determinou o pagamento de mais de 50 milhões de dólares como indenização por danos materiais. A Justiça do estado de Arkansas determinou também indenização por danos morais por entender que houve má fé por parte da empresa [5].
   Entre 1999 e 2001 a empresa realizou nos Estados Unidos testes de campo com o arroz modificado, mas não chegou a propor sua liberação comercial. A contaminação só foi descoberta cinco anos após   a   conclusão   dos   experimentos,   quando   o   mercado   europeu   suspendeu   as   importações   do produto.   O   Japão   seguiu   o   mesmo   caminho.   Na   ocasião,   a   empresa   eximiuse   de   qualquer responsabilidade  pelo  ocorrido,  alegando  tratarse de  “circunstâncias   inevitáveis, ato  de Deus   e negligência dos agricultores” [6].
   Recentemente,   um   repesentante   da   Bayer   no   Brasil   afirmou   que   o   problema   não   está   na contaminação,   mas   sim   no   fato   de   ela   não   estar   prevista   e   regulamentada   pelas   leis   de biossegurança. Para André Abreu, enquanto permanecer um regime de intolerância (sic) em relação à contaminação, problemas como esse continuarão acontecendo [7].
Falta transparência    Muitos   questionamentos   foram   apresentados   por   pesquisadores,   produtores   e   representantes   da sociedade civil na audiência publica realizada em março de 2009, mas até hoje nenhum deles foi respondido. Não se sabe, por exemplo, o que a empresa pretende fazer para evitar a contaminação do arroz comum nem qual o nível previsto de resíduo de agrotóxico no grão. A CTNBio nega acesso aos dados apresentados pela empresa. Essa falta de transparência é prejudicial à participação da sociedade, à biossegurança e à saúde pública.
Falta isenção – a avaliação pela CTNBio   Até  hoje   a  CTNBio aprovou todos  os  pedidos  a ela submetidos.  Nunca  recusou nenhum.   Suas decisões   ocorrem   por   maioria   simples,   isto   é,   14   de   27   votos.   Cabe   destacar   que   é   grande   a controvérsia técnica dentro da própria Comissão. O melhor exemplo está no fato de que até hoje todas   as   aprovações   tiveram   votos   contrários   fundamentados   dos   ministérios   da   Saúde,   Meio Ambiente e Desenvolvimento Agrário. Anvisa e Ibama apresentaram formalmente recursos técnicos contra as liberações dos milhos LL da Bayer, MON810 da Monsanto e Bt 11 da Syngenta, mas o governo Lula delegou à CTNBio a decisão. Pior para todos nós que teremos produtos contendo esses milhos transgênicos, apesar da discordância da ANVISA e do IBAMA.
   A falta de imparcialidade começa pelo próprio presidente da Comissão, que ao assumir o cargo no início deste ano já se declarou favorável à liberação do arroz transgênico [8], contra a rotulagem dos produtos [9] e a favor da exclusão do monitoramento dos impactos à saúde dos transgênicos. Antes  de ser presidente, para defender a soja transgênica da Monsanto, Edílson Paiva, falando do glifosato usado na soja da Monsanto, chegou a dizer que os “humanos poderiam até beber e não morrer porque não temos a via metabólica das plantas” [10].
 Alterações genéticas imprevistas
   O método de transformação utilizado para o arroz Liberty Link foi o da aceleração de partículas  (biolística). A biolística é um método de transferência direta que consiste em projetar transgenes  dentro das células alvo através de partículas de ouro ou tungstênio cobertos com moléculas de DNA recombinante (transgenes) aceleradas por um sistema de propulsão por hélio. Neste método, há total descontrole do local da inserção dos transgenes nas células e genoma vegetal. O transgene pode tanto   ser   inserido  no genoma  nuclear  quanto no  DNA  de  organelas. Além  disso,  o número   de transgenes   também   não   é   controlado.   Várias   partículas   podem   integrarse   no   genoma   e   em diferentes lugares. Finalmente, a integridade do transgene (sua sequência genética) também pode não ser mantida, ou seja, o transgene pode integrarse no genoma de forma truncada, com deleções ou ainda com inserções de fragmentos de DNA da própria célula entre os transgenes.
   No caso do arroz LL, nenhum estudo cientificamente robusto foi apresentado pela proponente 
a   fim   de   confirmar   o  que  foi  inserido.  Isto  significa  que  sequer  temos  a   certeza  do  que  foi inserido, muito menos das conseqüências.
   Durante a audiência pública, um participante mencionou a possibilidade de ter ocorrido deleção de um nucleotídio (Adenina) no local de regulação da expressão da proteína que confere a tolerância ao  herbicida   glufosinato   de   amônio.   Posteriormente   à   audiência,   a   empresa   admitiu   a   deleção,  afirmando haver a alteração de um aminoácido na proteína. Essa alteração significa que a proteína  produzida pelo arroz difere daquela produzida naturalmente pela bactéria Streptomyces, doadora do gene. No entanto, nenhum estudo foi apresentado a fim de investigar possíveis efeitos adversos na saúde humana e meio ambiente resultantes dessa alteração não intencional.
   Ou   seja,   além   da   incerteza   do   que   foi   realmente   inserido,   ignorase   uma   alteração   genética detectada,   mas   não   esperada.   A   proteína   não   perdeu   a   sua   função   de   conferir   a   tolerância   ao herbicida, mas pode gerar riscos não analisados.
A decisão está nas mãos do governo Lula    A   Lei   de   Biossegurança   (Lei   11.105/05)   criou   uma   instância   acima   da   CTNBio,   o   Conselho Nacional de Biossegurança, formado por 11 ministros e presidido pela Ministra Dilma Rousseff. O CNBS tem o poder de dar a última palavra em relação a uma liberação comercial de transgênico no país.   Até   o   momento,  a  atuação  do  CNBS   foi   lamentável:  deu  razão   à  CTNBio   e  autorizou   a liberação dos três milhos transgênicos que a ANVISA e o IBAMA recomendaram que não fossem autorizados. 
   A liberação do arroz LL tem também implicações econômicas bem graves, estando as principais 
entidades representativas dos produtores contra (Farsul, Federarroz e Instituto Rio Grandense do 
Arroz – IRGA). 
Como vai se posicionar o governo Lula: a favor da Bayer ou do Brasil?  Assinam este documento:
AAO Associação de Agricultura Orgânica   
ABRANDH – Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos     
ACAN  Associação   Catarinense   de   Nutrição     
AEPAC  Associação   Estadual   dos Pequenos   Agricultores   Catarinenses   – 
 ANA  Articulação   Nacional   de   Agroecologia     
ANAC  – Associação   Nacional   de   Agricultura   Camponesa     
ANPA  Associação   Nacional   dos   Pequenos Agricultores – 
APATO Alternativas para a Pequena Agricultura no Tocantins – 
APPA Associação Paranaense de Pequenos Agricultores  
ARPA Associação Riograndense de Pequenos Agricultores  
ASPTA Agricultura Familiar e Agroecologia – 
CESE Coordenadoria Ecumêmica de Serviços   
Cooperfumos  Cooperativa   Mista   de   Fumicultores   do   Brasil   Ltda.     
CONESANGO  Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Goiás   
CONSEASC  Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional de Santa Catarina – 
CPCPR Cooperativa Mista de Produção e Comercialização Camponesa do Paraná Ltda. – 
 CPCRS  Cooperativa Mista de Comercialização Camponesa do Rio Grande do Sul Ltda. 
 CPT Comissão Pastoral da Terra  
FASE Federação de Órgãos   para   a   Assistência   Social   e   Educacional     
FBSSAN  Fórum   Brasileiro   de   Soberania   e Segurança Alimentar e Nutricional –  
FEAB  Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil 
FESANSMS Fórum Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do Mato Grosso do Sul – 
FNECDC Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor  
FOSANES  Fórum  de  Segurança Alimentar e Nutricional do Espírito Santo   
IDEC  Instituto Brasileiro  de Defesa do Consumidor – 
Instituto Cultural Padre Josimo  
MAB Movimento dos Atingidos por Barragens     
MMC  Movimento   de   Mulheres   Camponesas    
 MPA  Movimento   dos   Pequenos Agricultores     
MST  Movimento   dos   Trabalhadores   Rurais   Sem   Terra   –  
Plataforma   Dhesca Relatoria de Direito Humano à Terra, Território e Alimentação  
PJR Pastoral da Juventude Rural  
RECIDGO Rede de Educação Cidadã de Goiás  
Terra de Direitos   
Via Campesiana.Notas:
[1] EU Environment Ministers Keep Bans on Transgenic Maize. Environment News Service (ENS). http://www.ensnewswire.com/ens/mar2009/2009030201.asp 
[2] Nobuko Matsumura, Chizuko Takeuchi, Keiichi Hishikawa,Tomoko Fujii, Toshio Nakaki. Glufosinate ammonium induces convulsion through Nmethyldaspartate receptors in mice.  Neuroscience Letters 304 (2001) 123125.
[3] Brasil é o principal destino de agrotóxico banido no exterior.  O Estado de São Paulo, 30 de maio de 2010.
[4] A transcrição da audiência pública realizada em 18 de março de 2009 está disponível na página eletrônica da CTNBio, no endereço http://www.ctnbio.gov.br/index.php/content/view/13289.html 
[5]   Bayer   ordered   to   pay   farmer   $1   million   is   tab   for   modified   rice.  Arkansas   DemocratGazette, 10/03/2010. http://www.allbusiness.com/legal/tortsdamages/140796811.html ;
Bayer   to   pay   $1.5   mln   in   2nd   lawsuit   over   GM   rice,  Reuters,   05   de   fevereiro   de   2010. 
http://www.reuters.com/article/idUSLDE61421W20100205 e GM rice litigation: defense. Delta Farm Press, 04 de maio de 2010. http://deltafarmpress.com/rice/gmricelitigationdefense0504/ 
[6] Firm Blames Farmers, 'Act of God' for Rice Contamination. Washington Post, 22 de novembro de 2006. http://www.washingtonpost.com/wpdyn/content/article/2006/11/21/AR2006112101265.html
[7] Mesa redonda sobre arroz transgênico. CTNBio, 19 de maio de 2010, Brasília.
[8] Novo presidente da CTNBio defende arroz transgênico. O Estado de São Paulo, 11 de fevereiro 
de 2010. http://www.estadao.com.br/noticias/geral,novopresidentedactnbiodefendearroztransgenico,509722,0.htm 
[9] Novo presidente da CTNBio se diz contra rotular transgênico.  Folha de São Paulo, 11 de fevereiro de 2010. http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u692636.shtml 
[10] Avanço da soja transgênica amplia uso de glifosato. Valor Econômico, 24 de abril de 2007.